Uma entrevista com o criador do RPG “ A Bandeira do Elefante e da Arara ”.
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Uma entrevista com o criador do RPG “ A Bandeira do Elefante e da Arara ”.

Christopher Kastensmidt, o Criador do RPG “A Bandeira do Elefante e da Arara”, nos concedeu uma entrevista falando um pouco de como foi a concepção do seu trabalho. Ele também nos contou um pouco de como foi sua participação na indústria dos jogos digitais e sua expectativa, planos e expansões para o futuro do seu RPG.

Papo Aleatório (PA): Boa tarde, Christopher. Queremos agradecer pela oportunidade de conhecê-lo bem e um pouco mais de sua obra no universo literário brasileiro. A primeira pergunta é uma curiosidade: Apesar de escrever literatura de ficção brasileira, sua origem é norte-americana, mais precisamente de Houston, Texas. Poderia nos contar como descobriu sobre nossa vasta cultura de mitos e lendas e como se apaixonou pelo tema?

Christopher Kastensmidt (CK): Olá, amigos do Papo Aleatório! Ainda nos anos 90, conheci o país através de visitas profissionais na minha função como prestador de consultoria de novas tecnologias da Intel. Comecei a aprender o português na época e muitas das minhas primeiras leituras eram sobre a história do país. Mais tarde, depois da minha mudança definitiva para o Brasil, pesquisei as lendas nacionais em função de um jogo digital sendo desenvolvido pela minha antiga empresa, a Southlogic Studios. Tudo aquilo se misturou na cabeça e eventualmente, em 2006, soltou a primeira faísca que acendeu a ideia de escrever uma fantasia brasileira utilizando essas lendas.

PA: Quando você começou a escrever de fato? Conte-nos um pouco sobre sua experiência como escritor, o que te motivou a começar a escrever… cite algumas de suas inspirações e experiências mais impactantes.

CK: Eu gosto de criar histórias desde criança. O ato de escrever não é o que mudou, mas sim o ato de buscar publicação. Só comecei a pensar em publicar a minha escrita no ano 2004. Na época já tinha uma empresa estabelecida de jogos digitais. Lançamos produtos jogados por milhões de pessoas, mas muitas vezes por encomenda. Assim, o meu papel no desenvolvimento criativo ficou limitado. Comecei a publicar a prosa para poder expor as minhas próprias histórias, com a minha própria voz.

Uma entrevista com o criador do RPG “ A Bandeira do Elefante e da Arara ”.
Imagem de Capa

PA: Por que o título “A Bandeira do Elefante e da Arara”? Como foi o processo de criação de sua história e dos personagens de seu romance que deram origem ao RPG? Quais foram suas inspirações para Gerard van Oost e Oludara?

CK: A Bandeira do Elefante e da Arara (ou ABEA, como os fãs chamam este universo) começou como uma série de contos ambientados no século XVI sobre o holandês Gerard van Oost e o iorubano Oludara. O elefante representa Oludara e também a África, ambiente importante na primeira história (e histórias futuras eventuais). A arara representa o Brasil e Gerard, que apesar de ser holandês, escolheu a colônia como seu lar.

Provavelmente a maior inspiração para o personagem Gerard foi Hans Staden, um mercenário alemão que visitou o Brasil duas vezes no século XVI. Oludara foi o par natural, uma dupla que representa a formação da cultura brasileira e a identidade que temos aqui hoje. No segundo conto da série, acrescentei a Arani, que representa a contribuição indígena a essa identidade.

PA: Antes de criar ABEA, você já havia trabalhado na indústria americana de games. Poderia nos revelar os seus trabalhos favoritos nessa área de videogame em que você teve participação e como essa experiência lhe foi útil para criar o RPG analógico de sua obra literária?

CK: As minhas principais criações de jogos digitais ainda durante a época que nasceu ABEA são menos conhecidas, mas foram muito bem vendidas. Entre 2002 a 2008, atuei como game designer de quatro produtos dentro da linha Deer Hunter (publicado pela Atari). No cargo de game designer, fiquei responsável por definir os sistemas e desenvolver jogos atraentes pelo público alvo. Apesar de não ser um jogo que pessoalmente gosto, eu busquei conversar muito com os fãs da série e entender os seus desejos. Os jogos foram muito bem recebidos e, no conjunto, ultrapassaram um milhão de vendas. Tive uma experiência parecida com Imagine Wedding Designer (Ubisoft), onde criei o conceito original e os sistemas. Neste caso, mesmo tendo um público alvo bem diferente, o de meninas abaixo de 9 anos, consegui entender os gostos deste e criar um jogo de enorme sucesso, vendendo mais de 1,5 milhão de unidades em pouco tempo.

No caso do RPG, utilizei o mesmo processo. Comecei inventando um sistema que eu gostava e que depois levei para dezenas de jogadores testarem com seus grupos. Acabei mudando radicalmente o sistema para acomodar os gostos do público, e deu muito certo. Além do livro ter esgotado em apenas quatro meses, estamos concorrendo ao Cubo de Ouro para melhor jogo de mesa do ano.

PA: ABEA foi lançado pela DEVIR e desenvolvido com o intuito de se tornar uma ferramenta educativa escolar. Descreva como foi essa jornada e fale a nossos leitores sobre a receptividade deste jogo pelos pais e alunos que o viram pela primeira vez?

CK: Desde o começo eu quis criar um sistema que podia ser utilizado como ferramenta paradidática em sala de aula. O RPG de mesa foi fundamental na minha formação pessoal e tive bastante vontade de passar adiante aquela oportunidade para outra geração. Por isso comecei com uma linguagem diferente, e em vez de falar em “mestres” e “jogadores”, falo em “mediadores” e “participantes”. É uma linguagem que serve melhor para a sala de aula. O sistema em si é muito simples, consigo ensinar o sistema básico para alguém em cinco minutos e o sistema de combate em outros cinco. Também o próprio conteúdo favorece a sala de aula: o livro é uma aula de história sobre o século XVI.

A receptividade é incrível, já recebi relatos de professores de vários estados que já aplicaram o sistema. No Ceará, por exemplo, já recebi relatos de seis municípios diferentes. É algo incrível, nunca imaginei que o RPG podia se espalhar tão rapidamente. Quando criei este projeto, anos atrás, pensei que tudo valeria a pena ao alcançar uma única escola, mudar uma vida, mas já passou muito além disso.

PA: Como se sente sendo finalista nestas competições que o ABEA está concorrendo?

CK: É uma grande honra. O livro foi uma síntese de 15 anos de pesquisa e desenvolvimento da série, além de propor um sistema inédito. Tive a honra de trabalhar com alguns dos melhores artistas digitais do país e um dos principais produtores de games, Vitor Leães. O editor foi Douglas Quinta Reis, uma lenda do RPG nacional. Dezenas de pessoas contribuíram com ideias através do beta. Juntos, conseguimos desenvolver algo que considero realmente excepcional, a produção mais importante da minha carreira de 20 anos. O livro já concorreu a um prêmio pela qualidade literária (o AGES) e está concorrendo prêmios para melhor arte do ano (o Jabuti) e pelo sistema do jogo (Cubo de Ouro). Quer dizer, todos os aspectos foram reconhecidos com indicações e fico extremamente honrado com isso. Não tenho certeza absoluta, mas não acredito que nenhuma obra de RPG tenha concorrido o Jabuti até agora. Só tenho a agradecer a todo mundo que trilhou este caminho comigo.

PA: Quais são seus projetos futuros para ABEA? Veremos suplementos para o jogo descrevendo mais segredos do Brasil Colonial, com novos monstros, personagens impactantes e novas mecânicas?

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CK: Logo vão estar disponíveis o suplemento “A Capitania Real do Rio de Janeiro”, por Luciando Campos Tardock. O suplemento vai ter dezenas de novos artefatos, novos monstros e uma aventura épica. É uma bela expansão para o RPG e quero lançar cada vez mais. Também vamos lançar um escudo do mestre com a minha aventura “A Misteriosa Sesmaria de Domo Perestrelo”. Espero que gostem!

PA: Você tem planos de que ABEA possa se tornar um videogame, filme ou seriado algum dia?

CK: Já estou trabalhando em um game baseado no sistema do RPG. Os jogadores podem pensar nele como um tipo de “aventura solo” para o sistema. Pablo Abraham (Zueira Never Ends) é meu parceiro na produção, e vamos anunciar alguns outros grandes nomes em breve. A equipe é incrível.

Existem projetos para se tornar ABEA em filme ou desenho animado, mas são projetos bem iniciantes, e vamos ter que encontrar muitos recursos antes de levar estes adiante.

PA: Quais conselhos você pode dar aos escritores amadores de ficção do Brasil que desejam alcançar seus sonhos de se tornar um autor profissional do gênero?

CK: É um longo caminho, tem que ter paciência e dedicação. Já estou há 20 anos na indústria de entretenimento e continua sendo uma batalha. É bom desenvolver a escrita em paralelo com outra carreira para ganhar experiência com a vida, o que pode se aplicar na escrita.

PA: O que é a iniciativa Odisseia de Literatura Fantástica e o Concurso Hydra?

CK: A Odisseia de Literatura Fantástica teve o intuito de expor a produção nacional do gênero. Fui um dos fundadores e depois um dos organizadores das primeiras quatro edições. Recebemos autores e editores do país inteiro aqui em Porto Alegre para apresentar suas obras ao público e trocar ideias.

O Concurso Hydra foi inventado por mim para expor obras literárias nacionais no exterior. Realizei três edições em conjunto com o Tiago Castro e conseguimos publicar quatro autores nacionais no exterior através da premiação: Camila Fernandes, Flávio Medeiros, Brontops Baruq e Walter Tierno.

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PA: Qual sua frase, lema ou citação favorita?

CK: Hmm. Pergunta difícil, não penso muito em lema, mas uma que gosto de escrever nas dedicatórias às vezes é “O sucesso não é o destino, é a jornada.” É importante festejar as pequenas conquistas ao longo do caminho, senão, nada vale a pena.

PA: Qual o RPG que você mais jogou até hoje? Desde quando você joga RPG e o que lhe atraiu para este fantástico hobby?

CK: Comecei a jogar RPG no começo dos anos 80, quando saiu a primeira edição de Tom Moldvay de Dungeons & Dragons, ainda antes da caixa vermelha. Vi a caixa numa livraria (acho que foi B. Dalton na época, uma rede que nem existe mais) e na hora, sabia que era algo diferente. Só não tive ideia de quanto ia mudar a minha vida. Quando vi os meus livros empilhados na vitrine da Livraria Cultura, quase tive um treco ao imaginar quantas crianças podiam descobrir o meu livro da mesma forma. O RPG que mais joguei na minha vida provavelmente foi MERP – Middle Earth Role-Playing, da I.C.E., ainda nos anos 80. Jogava toda semana durante anos. Desde lá, nunca participei de uma campanha tão longa.

PA: Qual o autor de RPG (nacional ou internacional) da atualidade que você mais admira e porque?

CK: Um que admiro muito é o Fábio Silva. Ele que é o responsável para FATE no Brasil e criou Gatos Espaciais. Ele tem um foco social, onde ele procura maneiras de utilizar o RPG para fazer um mundo melhor. Tive o prazer de conhecê-lo no evento SOUL+RPG (Fortaleza) no ano passado.

PA: Qual sua opinião sobre inclusão e representatividade na literatura fantástica moderna?

CK: Acompanho a literatura fantástica desde os anos 80. Naquela época, ninguém falava em inclusão, e poucos livros do gênero possuíam qualquer diversidade. Hoje em dia, é outra história. Se olhar os últimos cinco anos do Prêmio Nebula, por exemplo, mulheres ou transgêneros ganharam 13 dos 15 prêmios para ficção, e há bastante diversidade de cultura entre elas. É uma tendência excelente, que contrapõe a abundância de obras masculinas das décadas anteriores e expõe o público a outras visões do mundo. A literatura está sempre na frente de outras mídias, e não duvido que estas vozes ganhem, finalmente, maior espaço no audiovisual em breve.

Sobre representatividade, é fundamental para a nossa sociedade progredir. As crianças precisam de heróis com a sua cara. Sempre tentei levar esta questão a sério, oferecer heróis para a realidade brasileira. Nas histórias de ABEA, Oludara é uma pessoa confiante e competente, o cérebro da dupla. As histórias lidam com a questão de deixar de lado as diferenças e criar uma compreensão cultural maior. Que juntos, somos mais fortes. Da mesma forma, a capa do RPG mostra uma mulher negra, confiante, enfrentando uma criatura imensa. Isso não é por acaso, é uma mensagem que qualquer um pode fazer qualquer coisa neste mundo de ABEA e, por consequência, no mundo real. É algo em que acredito e espero que as crianças levem esta mensagem adiante nas suas vidas.

PA: Christopher muito obrigado por participar do Papo Aleatório

Mais uma vez, obrigado pela oportunidade de conversar com vocês do Papo Aleatório!

A Bandeira do Elefante e da Arara

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